quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Resumo das revistas da semana

Documentos mostram que esquema do panetone começou no governo Roriz



Época

O berço do esquema do panetone

A Operação Caixa de Pandora, da Polícia Federal, revelou ao país cenas estarrecedoras sobre um esquema de caixa dois e pagamentos de propinas a políticos de Brasília. Primeiro, surgiram os vídeos de políticos escondendo dinheiro em sacolas, meias e até na cueca. Em seguida, a insólita declaração, às vésperas do Natal, de que o dinheiro nas mãos do governador de Brasília, José Roberto Arruda, se destinava à compra de panetones. Agora, a PF investiga documentos e anotações apreendidos nas casas e nos gabinetes dos principais assessores de Arruda. Na casa de Domingos Lamoglia, ex-chefe de gabinete de Arruda, os policiais encontraram duas cartas que têm potencial para ganhar lugar de destaque no acervo das peças sobre corrupção no país.

Investigadores afirmam que o autor das cartas é Pedro Passos, um empresário que ganhou fama na capital ao ter sido acusado de grilar terras públicas, depois vendidas como lotes urbanos. Passos tornou-se político apoiado pelo ex-governador Joaquim Roriz. Em 2002, foi eleito deputado distrital. Reeleito quatro anos depois, acabou renunciando em agosto de 2007, após ser acusado pela PF de receber propina em outro escândalo de corrupção.

Nas duas correspondências não datadas apreendidas pela PF o autor relata a Arruda suas dificuldades financeiras, causadas, escreve ele, por estar há 18 meses sem receber propina. Em seguida, pede dinheiro ao governador. Numa das cartas, endereçada a Arruda, ele diz que, para aliviar o aperto em suas finanças, precisa de “R$ 1.500 agora, o mais rápido possível, urgente” e “R$ 100 por mês, por mais ou menos um ano”. Segundo os investigadores, os valores seriam, na realidade, R$ 1,5 milhão e R$ 100 mil. Numa tentativa de sensibilizar o governador, o autor das cartas descreve como funcionava seu fluxo de caixa no governo Roriz e o espaço político que ele ocupava. Diz o documento:

“Reprise da minha situação anterior:

1º - Detran: + ou - 150 mês.
2º - Valério: 50 mês.
3º - Estrutura da CLDF.
4º - Maior espaço no GDF.
5º - Diversos outros negócios decorrentes do mandato.”

De acordo com os investigadores, o “Valério” da carta seria Valério Neves, ex-chefe de gabinete de Roriz no governo de Brasília e no Senado e, há muitos anos, assessor de confiança do ex-governador. ÉPOCA ouviu ex-secretários e assessores que tiveram forte influência nas administrações de Roriz. Sob a condição de não ser identificados, eles disseram que havia uma mensalidade paga a deputados distritais e até a conselheiros do Tribunal de Contas do Distrito Federal. Esses ex-colaboradores afirmam que Valério era o responsável pela operação. Os valores mensais, de acordo com eles, variavam de R$ 30 mil a R$ 70 mil, de acordo com a importância do político. Por esse critério, Pedro Passos, com seus R$ 50 mil, estaria cotado numa posição intermediária. Roriz negou a ÉPOCA ter pagado qualquer propina.

O estilo da senhora Arruda

Antes de se tornar mulher do governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, Flávia Carolina Peres morava em Taguatinga, cidade localizada a 25 quilômetros do centro da capital federal. Recém-separada, Flávia, formada em educação física e estudante de Direito, trabalhava e se divertia como qualquer jovem de 27 anos. Não frequentava as altas-rodas de Brasília. Há pouco mais de dois anos, ela se uniu a Arruda e virou uma espécie de celebridade no mundo brasiliense. Criou uma ONG dedicada a ações sociais, ganhou o título de cidadã benemérita da Câmara Legislativa do Distrito Federal, passou a conviver com socialites e virou apresentadora de um programa local de televisão. A beleza de Flávia Arruda e certa semelhança com a atriz Camila Pitanga também chamaram a atenção para a primeira-dama do Distrito Federal – assim como seus modos finos e o hábito, lapidado depois da união com o governador, de usar joias e roupas de grife.

O début de Flávia na sociedade brasiliense ocorreu em fevereiro de 2008. Andréa Meireles, mulher de um importante empresário de Brasília, abriu sua casa para a estreia. De acordo com uma reportagem do Jornal de Brasília, Flávia chegou à festa com um vestido Valentino branco, cujo preço está em torno de R$ 10 mil, enquanto os convivas tomavam champanhe francês Veuve Clicquot. A noite foi marcante também porque Flávia anunciou publicamente a adoção do sobrenome Arruda. Flávia e Arruda só oficializaram a união estável em cartório no dia 18 de fevereiro do ano passado, sob o regime de comunhão parcial de bens (pelo qual os cônjuges só partilham os bens adquiridos após a união). Hoje, eles têm uma casa no Park Way, um dos bairros com metro quadrado mais caro de Brasília.

Depois do enlace com Arruda, o estilo de vida de Flávia mudou. “Ela não tinha muito contato com o pessoal da sociedade, que gosta de festas todo dia”, afirma Andréa Meireles. “Antes ela era casada com um menino que era engenheiro, tinha uma escolinha pequena. A vida era outra.” A fama repentina garantiu sucessivos flashes para Flávia. Depois do casamento, ela começou a exibir em eventos sociais adereços sofisticados. Demonstrou especial predileção por joias da designer Carla Amorim, dona de lojas em áreas nobres de Brasília, Belo Horizonte, Recife, São Paulo e de revendas no exterior.

Serra arma o palanque

Há três meses, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), afirmou ter “nervos de aço em política” ao explicar, durante uma entrevista, por que resiste a se declarar candidato à Presidência da República. Na época, Serra ainda enfrentava as pretensões do governador de Minas Gerais, Aécio Neves, de ser indicado pelos tucanos para disputar a sucessão de Lula. Os últimos dias demonstraram que, pelo menos por enquanto, o mais experiente dos concorrentes ao Palácio do Planalto segue à risca a disposição de manter o controle das emoções na corrida eleitoral. A tarefa de responder às provocações dos adversários e atacar a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, ficou para a direção nacional do partido. “Não vou entrar em nenhum bate-boca eleitoral, de baixaria, não há a menor possibilidade”, afirmou Serra na quarta-feira, quando repórteres pediram que ele comentasse um discurso feito no mesmo dia por Dilma. Mais cedo, no interior de Minas, Dilma dera uma demonstração de que, se depender dela, a campanha transcorrerá em clima de alta tensão. “Em 2006, eles quiseram acabar com o Bolsa Família. Agora, em 2010, o objetivo é acabar com obras como essa”, disse Dilma, referindo-se à barragem de Jenipapo, obra que inaugurava naquele momento ao lado de Lula.

O discurso de Dilma deu início a uma troca de acusações entre tucanos e petistas. Em nota divulgada no mesmo dia, a executiva do PSDB afirmou que Dilma usa a “retórica do medo” contra a oposição. O presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), retrucou e chamou os adversários de descontrolados. Na quinta-feira o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), distribuiu nova mensagem com um conteúdo ainda mais agressivo. O texto acusa Dilma de “mentirosa” e de ser gerente, não de um governo, mas de uma “embalagem publicitária”. A reação do dirigente tucano serviu para mostrar que Lula tem os nervos mais flexíveis e a língua mais solta do que Serra. “O Sérgio Guerra é um babaca”, disse Lula durante uma reunião ministerial.

A lição do Chile para o Brasil

Preparando-se para as eleições presidenciais, a oposição ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva está convencida de que recebeu uma boa notícia de Santiago, no Chile, no domingo, quando o candidato conservador Sebastián Piñera saiu vitorioso de uma disputa que tem tantas analogias com a situação brasileira que a reta final foi acompanhada de perto por políticos e marqueteiros de São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro. O interesse sobre o caso chileno envolve o mais intrigante fator eleitoral da sucessão de Lula: o poder de transferência de votos de um presidente com altíssimos índices de popularidade. A conclusão da oposição brasileira é que a vitória de Piñera demonstra que um presidente pode ajudar a fazer seu sucessor – mas as virtudes e os defeitos de cada candidato podem ter um papel decisivo na escolha do eleitor.

Embora qualquer aluno de geografia elementar possa recitar as diferenças entre os dois países, distantes pelo território, pela população, pela economia, pela distribuição de renda e assim por diante, não é difícil encontrar semelhanças relevantes entre a batalha da presidente Michelle Bachelet e a de Luiz Inácio Lula da Silva. Ambos são campeões de popularidade em seu país. Ambos lançaram programas de distribuição de renda muito parecidos. O Bolsa Família chileno é uma cópia assumida da versão brasileira, e isso ajudou Lula a tornar-se um político popular também em Santiago. Outra semelhança diz respeito ao perfil dos candidatos que receberam seu apoio. Ainda que por motivos opostos, ambos têm um perfil problemático. Dilma Rousseff, pela falta de biografia eleitoral. Eduardo Frei, o concorrente chileno, pelo motivo oposto: o desgaste demasiado.

A maior diferença entre os casos chileno e brasileiro reside na relação entre criador e criatura. Ao contrário de Lula, que escolheu Dilma e empurrou seu nome goela abaixo, Bachelet combateu a escolha de Frei e assumiu um distanciamento olímpico no primeiro turno. Ela só entrou com força na segunda fase. Segundo um estudioso ligado ao PSDB, o candidato de Bachelet conseguiu então uma enorme transferência de votos. “Se estivesse sozinho, Frei não iria a lugar nenhum”, diz ele. “Só que a transferência não foi suficiente.”

O fiasco do Brasil

Na lógica do mercado cultural de massa, quanto mais se fala sobre um produto, mais ele vende. O frisson antes de um novo best-seller de Paulo Coelho ou um blockbuster de Hollywood costuma incentivar as pessoas a comprar o livro ou ir ao cinema. Com o filme Lula, o filho do Brasil, baseado na biografia escrita por Denise Paraná, ocorreu o inverso. Até a estreia, foi um dos filmes em torno do qual houve maior alarde na história do cinema brasileiro. Nas bilheterias, está com um desempenho muito abaixo das expectativas.

Antes do lançamento, os produtores projetavam atrair 1 milhão de espectadores, depois aumentaram a aposta para 5 milhões e chegaram ao delírio dos 12 milhões – quando o produtor Luiz Carlos Barreto, o Barretão, declarou que bateria seu próprio recorde de 1978, com Dona Flor e seus dois maridos. A bolha estourou na estreia, no primeiro dia do ano. Até a segunda semana de exibição, menos de 600 mil pessoas haviam assistido ao filme. Isso representa metade do público atraído, no mesmo intervalo, por 2 filhos de Francisco. E um quarto do público de Se eu fosse você 2 – o maior sucesso do cinema nacional na última década.

O primeiro erro de Barretão, apesar de sua experiência, foi tratar a história de Lula como se fosse mais um produto de entretenimento. Agindo segundo a lógica do mercado cinematográfico, calculou que a polêmica antecipada em torno do filme serviria como fator de atração de espectadores. A exploração dramática das passagens mais difíceis da vida do presidente, num ano de eleições, porém, foi associada à propaganda política e gerou reações negativas.

Veja

Banditismo institucional

As imagens que mostram os políticos de Brasília recheando com dinheiro os bolsos, as meias e algumas partes íntimas do corpo percorreram o mundo, causaram indignação e espanto, mas, até a semana passada, ainda não tinham sido suficientes para demolir a redoma construída em torno deles pela indiferença da população e pela falta de vergonha dos envolvidos. O governador José Roberto Arruda, que apareceu mimando um maço de dinheiro, continuava governador. O presidente da Assembleia Legislativa, que inventou a famosa meia-cofre, lutava para continuar presidente. E os deputados que recebiam propina e oravam aos deuses para agradecer a dádiva, como se tivessem sido abençoados por um milagre, continuavam firmes no cargo. Unidos, eles continuavam fazendo de tudo para deixar tudo como está – e ainda receberam uma ajuda inesperada. A Justiça mandou afastar do cargo o deputado Leonardo Prudente, o homem da meia, e mais nove parlamentares envolvidos no esquema de corrupção. O objetivo era garantir que os trabalhos de investigação não fossem contaminados pela ação dos interessados, como estava acontecendo. Parecia um sopro de moralidade – mas só parecia.

A turma do governador Arruda enxergou na decisão da Justiça uma tremenda janela de oportunidade e simplesmente encerrou a CPI instalada para apurar o caso, com o argumento ladino de que os deputados acusados de receber propina haviam participado formalmente do ato de criação da comissão. Portanto, como determinava a decisão judicial, o ato de criação da comissão estava contaminado e poderia ser anulado. E foi. "Os indícios de um sistêmico e crônico banditismo institucionalizado, no Distrito Federal e alhures, não tardarão a acionar os alarmes sociais e políticos que certamente propugnarão pelo ‘endurecimento’ dos meios de controle que possam garantir a sobrevivência de nossa estrutura republicana de estado, algo parecido com o processo político de exceção iniciado em 1964. Oxalá isso nunca volte a acontecer!", escreveu o juiz Álvaro Ciarlini na decisão em que determinou o afastamento do deputado Leonardo Prudente. A degradação moral de alguns políticos em Brasília – do governo local ao governo federal, da Câmara Distrital ao Congresso Nacional – mostra que a advertência do magistrado, talvez inoportuna, está longe de ser um exagero. Isso é apenas o começo

Jenipapo de Minas, na última terça-feira, foi palco de algo muito parecido com uma campanha eleitoral. Acompanhada do presidente Lula, a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, inaugurou uma barragem de irrigação e chorou ao lembrar suas origens mineiras. Em discurso, ao exaltar a importância da obra, a ministra lembrou que a oposição já investiu contra os programas de transferência de renda do governo, como o Bolsa Família, e, agora, promete também acabar com o PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento, caso vença as eleições. Em outra solenidade no mesmo dia, dessa feita de inauguração de escola técnica, foi a vez do presidente Lula: "Que me desculpem os adversários, mas nós vamos ganhar para poder ter continuidade. Se para tudo o que está acontecendo neste Brasil e a gente volta ao passado, todo mundo sabe como é que é". É perda de tempo ficar discutindo se o périplo que Lula e Dilma fazem pelo Brasil, inaugurando até placas de obras que ficarão prontas daqui a anos, é ou não uma artimanha para ocultar uma campanha antecipada, o que seria ilegal. A Justiça já decidiu que só existe campanha se existir candidato oficial ou pedido de votos – e Dilma, oficialmente, ainda não é candidata e nunca pronunciou o famoso "vote em mim". Convencionou-se, portanto, chamar o que está acontecendo de pré-campanha, e, pelo caminho que começa a ser trilhado pelas equipes dos pré-candidatos, tem-se uma amostra do que está por vir.

Em sua primeira aparição pública em 2010, o presidente Lula, discursando para mais de 500 prefeitos, anunciou a aposentadoria do "Lulinha paz e amor" das campanhas passadas e disse que também era "capoeirista", prometendo reagir caso algum adversário tentasse "chutar do peito para cima". Na última semana, o presidente mostrou sua disposição marcial. Em plena reunião ministerial, num ambiente tradicionalmente solene, Lula chamou de "babaca" o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra. O motivo da irritação do presidente foi uma entrevista a VEJA na qual o líder tucano disse que, caso seu partido vencesse as eleições, acabaria com o PAC, programa que estaria sendo usado apenas para iludir o eleitor. "Não sei se ele (Guerra) estava de férias, mas a entrevista é totalmente desconectada da realidade. O Sérgio Guerra é um babaca", disse Lula a uma plateia de ministros e assessores graduados. A troca de farpas entre governo e oposição foi intensa. Depois de anunciar no palanque de Minas Gerais que os tucanos queriam acabar com os programas sociais do governo, a ministra Dilma Rousseff foi chamada de mentirosa em uma nota oficial do PSDB. Também em nota, o presidente do PT, Ricardo Berzoini, respondeu, chamando de "jagunço" o senador Sérgio Guerra e de "hipócrita" o governador de São Paulo, José Serra, por se manter afastado do bate-boca. "Não vou perder meu tempo com ti-ti-ti, fofoca. Não vejo sentido nisso", limitou-se a comentar o governador.

Bolsa-cabresto

Na cartilha de certas administrações, aproveitar o finzinho de ano para decretar uma medida polêmica, impopular ou simplesmente indecorosa é prática corrente. Com o Legislativo já quase em recesso, os órgãos do Executivo mais ou menos desmobilizados e as atenções da imprensa voltadas para outros assuntos, governantes se sentem à vontade para sacar medidas que, de outro modo, não teriam coragem de apresentar em público. O governo federal se valeu mais uma vez dessa tática no dia 23 de dezembro, quando um ato do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome alterou as regras de funcionamento do Bolsa Família, numa manobra destinada a evitar que 5,8 milhões de beneficiados fossem excluídos do programa – fato legal e previsível, mas que, em ano de eleição, poderia ser funesto para a campanha petista.

Pelas normas até então em vigor, perdiam o direito ao recebimento do benefício famílias cujo cadastro estivesse desatualizado havia mais de dois anos e aquelas cuja renda per capita tivesse ultrapassado o limite de 140 reais. São critérios justos: o primeiro se destina a coibir fraudes e o segundo visa a evitar que o cidadão fique para sempre sob a tutela do Estado – o que é, ou deveria ser, uma das preocupações do programa. Mas, como em ano de eleição vale tudo, o governo decidiu deixar para lá. O ato administrativo do dia 23 de dezembro estabelece um "prazo de carência" dentro do qual a burla das regras passa a ser tolerada. Assim, quase 1 milhão de famílias que não atualizaram seu cadastro em 2009, e tiveram o pagamento bloqueado em novembro, voltarão a ganhar o benefício. Da mesma forma, continuarão a receber dinheiro público as famílias cuja renda per capita ultrapassou 140 reais – em torno de 440 000. Trata-se de uma versão atualizada do voto de cabresto. Mas com uma diferença, segundo o cientista político Bolívar Lamounier: "Os antigos coronéis do interior do Brasil pelo menos aliciavam votos com o próprio dinheiro. O governo atual faz isso com dinheiro público". E, para que não reste dúvida quanto à natureza da decisão governamental, a data para a bondade terminar, o tal "prazo de carência", é 31 de outubro, dia da votação do segundo turno das eleições presidenciais.

O caos depois do desastre

Sob as trevas da noite o pavor aumenta. Os raros focos de luz são dos faróis de carros, dos postes de quartéis com geradores e das fogueiras... Assustadoras fogueiras alimentadas por escombros e corpos. Do Hospital-Geral de Porto Príncipe emergem urros de dor de pacientes. Com os primeiros raios de sol chega a notícia do resgate de uma criança com vida e a esperança renasce. Abarrotado pelo volume colossal de feridos em estado grave, o Hospital-Geral tornou-se o maior centro de amputação de Porto Príncipe. Um lugar de horrores, onde se aguarda a vez de morrer, ao lado de cachorros, lixo e do odor onipresente da gangrena. No pátio do hospital, feridos tentam sobreviver em colchonetes, ao ar livre e sob tendas. Num deles, Widlyn Pierre, uma jovem e bela haitiana, grita de dor.

Em Porto Príncipe, os vivos dormem nas ruas; os mortos, nos escombros. Os números da catástrofe já parecem não fazer nenhum sentido. Foram 75 000 corpos lançados em fossas, mas quem os contou? Praticamente inexistente, o governo anuncia planos de transferir 400 000 desabrigados da capital para acampamentos organizados nas imediações da cidade destruída. Como? Quando? Por enquanto, dorme-se sob o céu negro e o calor asfixiante do Caribe, sentindo-se o cheiro fétido das fogueiras humanas. São os momentos mais perigosos para a sobrevivência dos haitianos, quando os mais fortes encontram a cumplicidade da noite para atacar os mais fracos. Brigam por comida, água, remédios – ou mesmo por bonés e óculos velhos, o tipo de farrapo que alguns haitianos ainda possuem. Há troca de socos até por restos dos destroços. Nenhum haitiano parece aceitar que outro tenha mais do que ele, ainda que esse mais se resuma a lixo. Em regiões miseráveis, como o bairro de Delmas, os desabrigados acampados nas praças e ruas improvisaram fogueiras, feitas de tudo o que se pode encontrar: lixo, corpos, pedaços de madeira. Em outras, como Bel Air, a escuridão da noite mistura-se com a poeira dos destroços ainda pairando no ar. O Haiti, que sempre viveu próximo da barbárie, agora se queima por completo nela.

Vitória na era do consenso

Foram tantas as manifestações de civilidade política que cercaram a vitória de Sebastián Piñera no segundo turno da eleição presidencial que o Chile merece se tornar um motivo de orgulho não só para seus cidadãos como para todas as pessoas de bons propósitos, em qualquer lugar do planeta. Consumada a vitória de Piñera numa eleição apertada, o adversário derrotado, Eduardo Frei, reconheceu-a rápida e elegantemente: em pessoa, e com abraços aplaudidos pelo público adversário. Depois, a presidente Michelle Bachelet telefonou. "Eu o parabenizo e espero que o Chile possa continuar pelo caminho do progresso", disse. "Peço-lhe um favor", retribuiu Piñera. "Quero pedir seu conselho e sua ajuda porque sua experiência de governo é muito importante." A esposa dele, Cecilia, entrou na conversa para dizer que, "como mulher, me sinto orgulhosa de que a senhora tenha sido a presidente dos chilenos". No dia seguinte, todos se encontraram e combinaram de viajar juntos em visita oficial ao México, em fevereiro. Foram momentos emocionantes para um país como o Chile, tão radicalizado num passado ainda recente por polarizações superadas entre esquerda e direita. Ninguém, esclareça-se, mudou de lado: Bachelet continua socialista, o democrata-cristão Frei compunha a coalizão com ela e Piñera é de direita. Todos, como se viu, civilizados e unidos pelo propósito de tocar o país para a frente, em vez de afundá-lo em refundações desastrosas.


IstoÉ

A Hora Do Medo

O resultado das eleições no Chile, com a derrota do candidato da presidente Michelle Bachelet, foi o suficiente para acender um sinal de alerta na campanha da ministra Dilma Rousseff. Como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a chilena está no último ano de mandato com uma popularidade superior a 80% e empenhou-se na campanha do sucessor. Mas, apesar da dedicação, não conseguiu a necessária transferência de prestígio. No QG ainda informal de Dilma a analogia foi imediata e o medo do chamado “fator Chile” provocou rápidas reações que desagradaram ao presidente Lula e o obrigou a terminar a semana dando um puxão de orelha nos ministros. Setores do PT, capitaneados pelo ex-ministro José Dirceu, aproveitaram o desespero instalado pelos votos dos chilenos e conseguiram impor, ainda que por pouco espaço de tempo, uma rota mais agressiva na campanha de Dilma e o medo do fator Chile levou a ministra a colocar em marcha no Brasil a campanha do medo, recorrendo a práticas que no passado alvejavam o PT. “Quando sem nenhum fundamento espalhavam que o Lula iria confiscar as cadernetas de poupança, os petistas diziam que se tratava de terrorismo eleitoral. Agora, usam a mesma estratégia”, disse o líder do PSDB na Câmara, deputado José Aníbal (SP), em uma reunião com a cúpula tucana.

Na terça-feira 19, durante inauguração de uma barragem, em Minas Gerais, Dilma, ao lado de Lula, disse que o PSDB acabará com o PAC, caso ganhe a eleição. Não foi a primeira vez que a ministra usou esse argumento, mas nunca o tinha feito de forma tão enfática e ao lado do presidente no alto de um palanque. “Vira e mexe eles querem acabar com alguns programas do governo Lula. O objetivo, agora, é acabar com obras como essa, que hoje nós estamos aqui inaugurando. E isso nós não vamos deixar”, discursou a ministra. Lula ficou surpreso com o tom e com o conteúdo da mensagem. À noite, em conversa com assessores, revelou seu descontentamento. Disse que estava preocupado e que gostaria de encontrar uma fórmula para conhecer com antecedência os discursos de Dilma, sem que isso magoasse a ministra. As declarações da ministra desencadearam uma troca de ofensas entre tucanos e petistas, baixando o nível do debate eleitoral. Em dura resposta, o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PSDB-PE), chamou Dilma de mentirosa. “Mentir, omitir, esconder-se, dissimular e transferir responsabilidades são a base do discurso de Dilma”, disse em nota. O presidente eleito do PT, José Eduardo Dutra, contra-atacou: “O Sérgio Guerra falou com todas a letras que ia acabar com o PAC. Eles falam as coisas, descobrem que falaram bobagem e ficam dizendo que não é bem assim.” O governador paulista, José Serra, pré-candidato tucano à sucessão de Lula, preferiu não entrar na polêmica. “Não vou fazer baixaria eleitoral”, afirmou Serra.

Enredo Fora Do Tom

Tradição nas marchinhas e tema recorrente dos irreverentes blocos carnavalescos que tomam conta das ruas brasileiras na festa de Momo, as mazelas políticas que não cansam de assombrar o País não são exatamente bemvindas nos caros e pomposos desfiles das escolas de samba. Mas este ano a prática de fechar os olhos para os escândalos do poder promete colocar duas agremiações tradicionais dos carnavais do Rio e de São Paulo em uma situação que pode ser classificada de, no mínimo, desconfortável. Tanto a Beija-Flor de Nilópolis, uma das escolas mais tradicionais do Carnaval carioca, como a paulista Acadêmicos do Tucuruvi criaram seus sambas- enredo em cima de temas que, especialmente neste ano, estão intimamente ligados à baixa qualidade da política brasileira. A Beija-Flor homenageia os 50 anos da capital federal brasileira com um samba-enredo que faz alusão à criação da cidade e seus folclores. Mas, tendo em vista os recentes escândalos políticos envolvendo o governo do Distrito Federal, o enredo soa um tanto autista por não citar em nenhum momento os incontáveis escândalos políticos que tiveram – e têm – Brasília como palco. “Não temos que nos vangloriar da história política brasileira. A escola deveria usar o desfile para fazer um protesto”, opina Gustavo Cavalcanti Firmino, morador do bairro de Nilópolis.

“Usar a ironia, com um carro abre-alas em forma de panetone, por exemplo, seria uma boa ideia”, diz Cavalcanti, fazendo menção ao fato de o governador do DF, José Roberto Arruda, ter dito que o dinheiro flagrado em meias e cuecas era para a compra de panetones que seriam distribuídos para a população carente de Brasília. A escola, no entanto, não fará nenhuma alusão ao mensalão, ao panetone ou a outro assunto político. “O enredo foca na história de Brasília. Não fala nada de política. O único político que a escola cita é o Juscelino Kubitschek”, defende Luís Fernando Ribeiro do Carmo, o Laíla, diretorgeral e de harmonia da Beija-Flor. Ele diz, ainda, que o desfile não contará com nenhum político. “De Brasília, só vem o povo”, avisa o presidente. Mas até estourar o escândalo do mensalão de Brasília, o governador José Roberto Arruda iria desfilar na Sapucaí. “Brasília é a capital da esperança, todos esperam que os políticos consigam fazer o País melhorar, diz Laíla. Mas, para alguns, a relação, longe do otimismo do presidente, mostra-se irônica. “O enredo não foi muito bem colocado”, avalia Lícia Silva de Carvalho, 42 anos, comerciante de Nilópolis. “Eu acho que tinha que ter uma ala com cuecas, bolsinhas, caças e panetones”, diz a comerciante, que preferia a natureza como tema. Mas a realidade das escolas de samba não permite uma criatividade sem limites. Colocar o tema em uma situação incômoda pode inviabilizar sua execução na avenida. Diferentemente das marchinhas surgidas nos anos 1920, e que até hoje inspiram sátiras à política brasileira, as agremiações dependem de incentivos financeiros.

O Homem Que Faz Dinheiro

O homem que comanda a única e exclusiva fábrica de dinheiro do País deve milhões de reais ao Fisco brasileiro. Por conta de uma mal explicada transação financeira, o presidente da Casa da Moeda do Brasil, Luiz Fernando Denucci, foi multado em R$ 3,5 milhões pela Receita Federal, que quer entender como ele, um funcionário público, enviou de uma conta de Miami, nos Estados Unidos, quase R$ 1,8 milhão para sua conta-corrente no Brasil. Além disso, a Polícia Federal, que flagrou Denucci quase por acaso, descobriu que por três anos ele fez movimentações financeiras que superavam em mais de dez vezes seus rendimentos declarados. A Polícia Federal também quer saber como Denucci conseguiu ampliar em 15 vezes seu patrimônio pessoal em um espaço de apenas seis anos. “A origem do dinheiro é desconhecida. Ele nunca esclareceu”, revelou um agente da Polícia Federal que trabalha no inquérito.

Indicado à presidência da Casa da Moeda pelo PTB em 2008, Denucci chamou a atenção das autoridades fazendárias ao transferir do Exterior para a sua contacorrente no Brasil a quantia de R$ 1,79 milhão, sem declarar. A descoberta foi feita por acaso quando a Polícia Federal centrou investigações nos servidores que utilizavam as extintas contas CC5 para movimentar dinheiro no Exterior. Denucci transferiu os valores que mantinha na agência do Banco do Brasil de Miami para uma conta-corrente sua no Brasil. Ele alegou que o montante é resultado de um empréstimo. Mas, segundo a Polícia Federal, ele nunca apresentou documento ou contrato que comprovasse a transação. “Isso tudo é um absurdo, uma maldade sem tamanho. Todo esse processo é resultado de ilegalidades cometidas pela própria Polícia Federal”, diz o advogado de Denucci, Edson Ribeiro. Segundo ele, o inquérito da PF está repleto de “inconsistências e falhas”.

O Verde Pragmático

Nas últimas três décadas, o mineiro Fernando Gabeira foi o símbolo do espírito carioca na política. Seja na irreverência de uma sunga de crochê, seja nos abraços promovidos ao redor da Lagoa Rodrigo de Freitas, Gabeira sempre esteve à margem de um universo político recheado por personagens que certamente seriam classificados como “atrasados” por uma boa parcela dos eleitores que o elegeram deputado federal por cinco mandatos consecutivos. A carreira política forjada em um estilo personalista calcado em sólidos ideais lhe conferiu o status de um dos parlamentares mais respeitados do País, mas, ao mesmo tempo, nunca lhe permitiu voos mais altos. Agora Gabeira quer voar.

Candidato ao governo do Rio pela segunda vez – a primeira foi em 1986, pelo PT –, decidiu adotar uma tática já usada pelos verdes europeus há alguns anos: abraçar o pragmatismo político em prol da conquista do poder. Gabeira já havia adotado essa estratégia nas eleições municipais do Rio em 2008, quando se aliou ao PSDB e ao PPS, e por pouco não venceu a disputa contra Eduardo Paes (PMDB). Agora, no entanto, Gabeira decidiu ampliar ainda mais o leque de alianças. Além do PSDB e do PPS, a coligação também deve ser composta pelo DEM, partido que foi o símbolo máximo do que Gabeira e seus companheiros costumavam chamar de “forças conservadoras”. “Gabeira assumiu a liderança da direita no Estado”, diz o cientista político Fabiano dos Santos, do Iuperj.

Amarga Rotina De Uma Missão Brasileira

Lidar com situações limites faz parte da rotina militar. Muito mais difícil, porém, é enfrentar o cenário infernal como o que surgiu no Haiti depois do terremoto de quase duas semanas atrás. Ao desembarcar em Porto Príncipe na terça-feira 19, fui testemunha da luta de nossos soldados para vencer, ou para atenuar, o clima de caos e desespero que tomou conta do povo haitiano. Logo no aeroporto, sob controle dos americanos, os militares brasileiros se mostram perfeitamente adaptados à cultura local, usando expressões do dialeto creóle (derivado do francês) na comunicação via rádio e até bandanas amarradas à cabeça. Já as patrulhas, que são obrigadas a cruzar a cidade em veículos abertos, não dispensam o colete e o capacete azul. A máscara cirúrgica também passou a integrar o uniforme, numa tentativa de minimizar o odor insuportável dos corpos que apodrecem sob os escombros de casas e edifícios. Sete dias depois do tremor que devastou a capital haitiana, as ruas de bairros como Carrefour e Citè Militaire ainda cheiram a morte. Mais urgente é a ajuda humanitária para atender um milhão de desabrigados.

Apesar de a logística ser atribuição dos Estados Unidos, os militares brasileiros, além das ações de segurança, têm se encarregado de tarefas de distribuição de água e mantimentos. Na base General Bacellar, sede do Batalhão de Infantaria da Força de Paz (Brabatt), haitianos famintos se reúnem em filas quilométricas todos os dias. De hora em hora, pequenos grupos são autorizados a entrar para pegar garrafas de água.

CartaCapital

Cara de pau sem limites (editorial)

A desfaçatez dos deputados distritais ligados ao governador José Roberto Arruda (sem partido) desconhece limites. Depois de esconderem dinheiro nas roupas de baixo, igual a rainhas do burlesco, os parlamentares protagonizaram, na quinta-feira 21, a dissolução da CPI criada, em tese, para apurar os fatos. Detalhe: a comissão foi desfeita antes mesmo de os trabalhos começarem. A saída encontrada pelos deputados baseou-se em uma liminar concedida pelo juiz Vinícius Santos Silva, da 7ª Vara da Fazenda Pública, segundo a qual os oito parlamentares e dois suplentes envolvidos no caso, todos suspeitos de participar do esquema de corrupção, deveriam ficar afastados da análise do processo do impeachment de Arruda.

“O Judiciário não quer que esta Casa se manifeste sobre tudo o que está acontecendo. Não serei eu que irei descumprir uma decisão judicial”, afirmou Batista das Cooperativas, como é conhecido o ex-vice-presidente da CPI. Dos cinco deputados que integravam a comissão, Paulo Tadeu (PT), que não é aliado de Arruda, foi o único a votar contra a dissolução. Diante de enredo tão edificante, como não dar razão aos 30 estudantes que foram protestar em frente à Assembleia Distrital, também na quinta-feira 21, depositando ali dez sacos de esterco?

Os fantasmas se divertem

Entre o temor e a blague, os seguranças da Câmara dizem que o ambiente gélido, de ar-condicionado ligado noite e dia à custa do contribuinte, é propício ao surgimento dos rumores. Um conta ter ouvido passos no Salão Verde. Outro, ter avistado vultos esgueirando-se pelas galerias do plenário. O mais velho deles, com quase 30 anos de Casa, fica embaraçado de falar nessas coisas, mas jura ter escutado o microfone da presidência ligar sozinho na madrugada.

Seriam espíritos desassossegados de antigos deputados a registrar presença na falta dos vivos, acreditam os funcionários, especulando que em 2010 não faltará quorum – do outro mundo. Como este ano é eleitoral, presume-se que o Congresso estará como os fantasmas legislativos gostam, vazio, a maior parte do tempo. O recesso parlamentar termina em 1º de fevereiro, mas as principais lideranças da Câmara e do Senado admitem que será difícil achar vivalma por ali depois das festas juninas. “Nós vamos trabalhar pelo menos até junho”, garante o presidente da Câmara, Michel Temer. “Reconheço que em julho, agosto e setembro, os meses que antecedem a eleição, é realmente complicado.” O primeiro-secretário do Senado, Heráclito Fortes, confirma. “No segundo semestre todos estarão dedicados às eleições. Sempre foi assim, é tradição no Brasil”, opina o democrata.

Este ano, há itens importantes na pauta, como o projeto da ficha limpa, que torna inelegíveis os políticos condenados pela Justiça, mas a prioridade do governo é a aprovação dos projetos que estabelecem as regras para a extração do pré-sal. A ideia é analisá-los e aprová-los antes do carnaval, nas duas primeiras semanas de fevereiro. “Queremos aprovar já”, disse o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, ciente do deserto que se seguirá ao início da campanha.

Os primeiros responsáveis (por Mino Carta)

Honra-me ter sido detestado por Ernesto Geisel, ditador de 1974 a 1979. Baseio-me em depoimentos insuspeitos. Um, de Karlos Rischbieter, presidente da Caixa Econômica Federal e, em seguida, do Banco do Brasil durante a ditadura Geisel. Está no livro de memórias de Rischbieter, publicado no começo de 2008. O outro, gravado, é do quinto ditador da casta fardada, João Baptista Figueiredo. Tocou no assunto em 1988, durante um churrasco amigo. Geisel, no meu caso certamente, desperdiçava seus maus humores. Eu não merecia tanto. Nunca estive com ele, informa-me a seu respeito fluvial entrevista contida em um monumental volume, destes que implodem qualquer criado-mudo. Falava com um grupo de professores do Cepedoc. Primeiro aspecto: ali Geisel em momento algum aponta a “distensão, lenta, gradual, porém segura” como seu trunfo. Praticamente esquece-se dela. Orgulha-se é dos feitos econômicos pretensamente extraordinários, alcançados durante o seu “mandato” (aspas obrigatórias), quando entendia que o Brasil fosse “uma ilha de prosperidade”.

Com isso, tendo a crer que o verdadeiro estrategista da abertura tenha sido Golbery do Couto e Silva, o titereiro. Sabia como lidar com seu títere de estimação, com quem mantinha, aliás, relações bem menos íntimas do que se supõe. Levava devidamente em conta os resultados das eleições parlamentares consentidas de 1974 e o papel de uma oposição concentrada à sombra do MDB do doutor Ulysses. Ou seja, percebia no horizonte sinais de insatisfação, quais fossem as ameaçadoras colunas de fumaça provocadas pelos peles-vermelhas dos filmes do faroeste. O segundo aspecto diz respeito à tortura. Pois o ditador apresentado como tutor da distensão é a favor da tortura. Quem duvida, se tiver coragem para a empreitada, leia algo em torno de 500 páginas de entrevista. Eis aí uma questão que a mídia nativa não levanta. Qual é a responsabilidade dos ditadores pelos crimes de lesa-humanidade perpetrados pelos seus janízaros?

Pouco a comemorar

Não fosse um imerecido Nobel da Paz, o presidente dos EUA nada teria a festejar ao cumprir o primeiro ano de mandato. Gastou seu capital político sem obter nada substancial (de uma aprovação inicial de 68%, a maior desde John Kennedy, caiu para 49%) e seu partido sofreu uma derrota eleitoral humilhante. O republicano Scott Brown ganhou a eleição para substituir o falecido senador democrata Ted Kennedy, um dos maiores defensores da reforma da Saúde, basicamente opondo-se a ela. Brown é menos conservador que a média dos republicanos e é algo excepcional a situação de Massachusetts, que já tem um sistema de saúde estadual, ao qual o federal apenas acrescentaria despesas, mas ainda assim foi uma derrota contundente.

As circunstâncias encontradas por Obama, criadas pelo governo de Bush júnior e pela gestão de Alan Greenspan no Fed, foram muito desfavoráveis, mas a maneira como as enfrentou não foram inspiradoras. Continua no Iraque, enviou mais tropas ao Afeganistão, desistiu de pressionar Israel a suspender as construções em terras palestinas, respaldou um golpe de Estado em Honduras e lavou as mãos em relação à mudança climática. Mas isso é secundário para o eleitor dos EUA: o que o frustra é a política econômica, balizada pelo temor de desagradar ao setor financeiro. Proporcionou trilhões em ajuda aos grandes bancos sem exigir quase nada em troca e que esse governo, como os outros, é cúmplice de sua exploração.

Em pele de lobo

O torturador uruguaio Manuel Cordero, 71 anos, coronel reformado, foi preso pela Polícia Federal brasileira na terça-feira 19, em Santana do Livramento (RS), na fronteira com o Uruguai. Cordero será extraditado para a Argentina para responder por acusações de crime de tortura, durante a Operação Condor, aliança entre órgãos de repressão do Cone Sul. A ordem de extradição do torturador foi dada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A transferência para a Argentina deveria ser realizada imediatamente, mas acabou suspensa por razões médicas. Após a detenção, o coronel foi hospitalizado ao alegar problemas cardíacos. Seu médico, o cardiologista Leandro Tholozan, disse que o estado de saúde do paciente teria se agravado e ele necessitaria ser submetido a uma cirurgia em Porto Alegre.

28 de janeiro de 2010.

POR QUE LULA NÃO SE ESQUECE?

1. Nos últimos dois anos e meio, sempre que Lula vem ao Rio, faz algum tipo de agressão ao ex-prefeito. Algo aparentemente sem propósito para um presidente da república. Nos primeiros anos de seu governo, não havia "comício" que participava que não sacasse uma carta do ex-prefeito do Rio agradecendo ações do governo federal que ajudaram a cidade.

2. Esta carta, gentilmente, agradecia a compreensão da base aliada de Lula no Congresso na votação de um projeto de lei e na execução de outro que favoreceram muito o Rio. Quando falam em parceria, é importante lembrar que a melhor parceria é aquela institucional e permanente e não convênios eventuais que flutuam conforme o humor do chefe. Por obstrução dos líderes do PFL/DEM no Congresso, a lei da municipalização do salário educação foi aprovada. Isso dá definitivamente ao Rio 200 milhões de reais por ano. E em outra obstrução se conseguiu fazer cumprir a lei do acesso dos municípios aos depósitos judiciais, o que gerou um caixa instantâneo, no mesmo dia, para a prefeitura do Rio, de 250 milhões de reais.

3. Esse era o sentido da carta, o reconhecimento, pois a base do governo poderia não ter aceitado, embora naquele fim de dezembro se votassem leis federais de ajuste de receitas de interesse do governo federal. Lula lia a carta no palanque dando provas de que não discriminava ninguém. Mas por que mudou tanto nos últimos dois anos e meio? Elementar, meu caro Watson: "as malditas vaias", como seus assessores passaram a chamar as vaias que Lula recebeu na abertura do PAN-2007. Vaias monumentais. Vaias estrondosas. E na frente de autoridades mundiais e esportivas das Américas. E para que não maculasse a sua popularidade, colocou a culpa no prefeito do Rio, como se este pudesse mobilizar o Maracanã.

4. Daí para frente, cada vez que vem ao Rio, Lula encontra uma maneira, mesmo que mentindo, de atacar o ex-prefeito, que, aliás, já saiu do governo há um ano e um mês. Mas a memória das vaias é tão grande, doeu tanto, que Lula não se esquece e agride, como se aquele tivesse alguma responsabilidade. Bem, o dia em que vier ao Rio e não agredir mais é porque já se esqueceu das vaias. Pelo jeito ainda vai levar muito tempo para isso.

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HONDURAS: CERIMÔNIA DE POSSE DO NOVO PRESIDENTE!

1. A cerimônia de posse ocorreu no Estádio Nacional de Futebol, para 30 mil pessoas, totalmente cheio. Na apresentação das delegações e nos discursos de posse do presidente Pepe Lobo, foram estrepitosamente vaiados o presidente da República Dominicana, o embaixador dos EUA em Honduras e OEA. Parcialmente vaiado o presidente da Costa Rica, aplaudida e vaiada ao citar seu nome, Hilary Clinton. Aplausos demorados ao presidente do Panamá e ao vice-presidente da Colômbia.

2. A cerimônia é longa. Os prefeitos das capitais dos departamentos entram do outro lado do estádio e circulam pelo anel do campo. O presidente da câmara de deputados, a mesa diretora e os líderes dos partidos idem. O Presidente do STJ e o procurador geral também. Todos fortemente aplaudidos. O presidente da Câmara de Deputados (45 anos) fez um curto discurso saudando a democracia. Foi feito um ato religioso pelo Bispo Auxiliar em frente ao palco do presidente (das delegações, dos presidentes dos poderes, etc.). Depois falaram 3 representantes da sociedade. Uma presidenta de uma ONG pacifista; depois um pastor evangélico hondurenho que tem sua igreja nos EUA, que pediu para todos se darem as mãos e ouvir sua oração. Um sucesso. Hoje, Honduras tem entre 30% e 35% de evangélicos. Finalmente o diretor técnico da seleção de futebol classificada para a Copa do Mundo, que por sinal, é colombiano.

3. Honduras tem 3 vice-presidentes que são chamados de "designados à presidência". Feitos os juramentos, usou da palavra o presidente eleito que em suas citações e referências procurou ser o mais abrangente, mostrando estar aberto aos países que ainda não completaram sua avaliação, assim como a OEA. O presidente Micheletti não foi ao estádio e não foi citado. Políticos locais avaliam que isso foi bem analisado de forma a mostrar que era uma transição superada.

4. O presidente assinou no ato, a Lei de Anistia aprovada na madrugada anterior e a lei do Plano da Nação, ao qual subscreve: "portanto, execute-se" e assina. A lei de anistia só inclui os problemas políticos, o que deixa Zelaya parcialmente fora dela.

5. Seu discurso, na parte dos compromissos, enfatizou fortemente a questão social (as 600 mil famílias que serão inscritas num programa de renda mínima, a questão da fome, do emprego...). Citou dados de concentração da renda de 1982 (20% mais pobres, só tinham 3% da renda nacional) e disse que esses dados não melhoraram.

6. Fez um chamamento aos professores públicos para que se somem ao governo, num programa amplo. Disse que é um absurdo as escolas particulares terem 200 dias de aulas no ano e as públicas só 100 dias de aulas. Disse que segurança pública é uma prioridade, mas deve priorizar a violência nos bairros pobres. Falou do combate à corrupção e de uma justiça rápida.

7. Irá encaminhar com urgência a "Lei de Proteção e Garantias ao Capital Estrangeiro".

8. Terminou, fazendo em jipão do exército, uma revista das tropas. A Polícia Nacional é igualada às Forças Armadas e são assim 4 efetivos, perfilados. O Brasil só não esteve ausente porque o desfile dos jatos militares foi um desfile dos aviões Tucanos, brasileiros.

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ESPIGÃO DA ELETROBRÁS ABRIU O CAMINHO PARA O ESTUPRO PROGRESSIVO DO CORREDOR CULTURAL!

(Globo, 28) A Câmara de Vereadores debaterá na volta do recesso, em fevereiro, uma nova proposta do prefeito Eduardo Paes para alterar as regras de construção no Corredor Cultural do Centro. Desta vez, o projeto de lei complementar 31/2009 propõe elevar, de 12,5 metros (o equivalente a três andares) para 42 metros (14), o gabarito de um terreno do BNDES, em aclive, na Avenida República do Paraguai. A medida permitiria erguer um anexo na lateral do Morro de Santo Antônio, onde há duas construções remanescentes do período colonial e tombadas pelo seu interesse histórico e cultural: o Convento de Santo Antônio e a Igreja de São Francisco da Penitência.

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RIO É O PRINCIPAL DESTINO DO HEMISFÉRIO SUL!

Repare que com o PAN-2007 a atratividade da cidade cresceu e vieram para cá mais 7,8% de turistas.

Na pesquisa do Euromonitor International, divulgada dia 20, o Rio de Janeiro ficou em 40° lugar em número de turistas internacionais, o principal do Hemisfério Sul, com 2 milhões e 820 mil turistas, crescimento de 7,8% sobre o ano anterior. Apesar de a pesquisa ser divulgada em 2010, os dados são referentes às viagens em 2008, ou seja, tivemos um aumento de mais de 7% comparado ao ano do Pan. A outra brasileira, São Paulo, está em 72° lugar. Veja a pesquisa completa.

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TARSO GENRO DIZ QUE CHOQUE DE ORDEM É UMA BOBAGEM!

(Globo, 28) PORTO ALEGRE - O ministro da Justiça, Tarso Genro, disse nesta quarta-feira apostar na redução da violência no Rio, principalmente porque o prefeito Eduardo Paes, segundo ele, compreendeu que o choque de ordem "é uma bobagem sem consequência" e está apostando nos programas patrocinados por seu ministério. A referência pejorativa ao choque de ordem foi feita durante a participação do ministro no seminário internacional Metrópoles Solidárias Sustentáveis e Democráticas, no Fórum Social Mundial, em Canoas, na Região Metropolitana de Porto Alegre. Procurado pelo GLOBO, o prefeito não quis falar sobre o assunto.

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ATENÇÃO À QUESTÃO DOMINIAL NA OBRA DO TÚNEL DA GROTA FUNDA!

1. A concessão do túnel da Grota Funda foi licitada em 1999. Quando ia ser executada ocorreram dois problemas. Um deles foi a desistência do concessionário. Outro foi a questão dominial entre Estado e Prefeitura que está aguardando julgamento no STF há quase 20 anos. Questão dominial é uma indefinição nos desdobramentos da lei de fusão, de quem é o proprietário de imóveis não formalmente listados pelo governo Faria Lima. Com isso, há uma pendência sobre a quem pertencem.

2. Isso afeta todos os terrenos de propriedade pública no lado do Recreio dos Bandeirantes, da Grota Funda. Agora, surpreendentemente, a prefeitura vem assumindo esses imóveis e desapropriando outros, sem que sequer esteja pronto o projeto executivo do Túnel da Grota Funda e o trecho depois dela, da Avenida D. João VI (antes Avenida das Américas, de Guaratiba a Santa Cruz). Sem o projeto executivo, pode estar pagando desnecessariamente. E sem um acordo na justiça com o Estado, pode estar assumindo terrenos que não são seus e quando valorizadas as áreas lindeiras, estas só poderão ser negociadas em acordo com o Estado.

3. De qualquer forma, sem projeto executivo para licitar, é no mínimo -digamos- precipitação essas negociações de imóveis/terrenos.

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ENSINO MÉDIO DO GOVERNO DO ESTADO DO RIO: UM DESCALABRO!

(O Dia, 27) Quase um terço dos alunos do Rio reprovado. Análise de resultados no Rio de 2006 a 2008 mostrou aumento de 10 pontos percentuais na reprovação e crescimento do abandono. A educação de jovens cariocas no Ensino Médio não vai nada bem. Indicadores divulgados ontem pela ONG Rio Como Vamos chamam a atenção para a piora nas taxas de reprovação, evasão escolar e defasagem idade-série dos estudantes de escolas públicas da capital. Em apenas dois anos (2006 a 2008), o número de alunos repetentes pulou de 20,29% para 30,15%, quase um terço do corpo discente. No mesmo período, 19,23% dos alunos de colégios estaduais abandonaram as salas de aula. O índice manteve-se estável em relação a 2006 (19,88%). "A situação vem perdurando. O que é ainda mais grave", alerta a educadora e presidente da ONG, Rosiska Darcy.
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